Com a conivência das potências ocidentais, 1,5 milhão de crianças enfrentam a subnutrição no Iêmen
Por Diogo Schelp
Por Diogo Schelp
O impulso natural quando se
vê o corpinho raquítico de uma criança vítima da fome crônica é o de
repulsa. Uns viram o rosto, outros fecham os olhos. Para quem se importa
com algo mais além do próprio umbigo, é obrigatório assistir à
reportagem acima, da BBC, mas é impossível fazê-lo sem ficar chocado, revoltado
ou emocionado — ou tudo isso junto. Mas não é esse o motivo que faz com que o
mundo não queira ver a grande tragédia alimentar que está se
desenrolando no Iêmen, país que já era o mais pobre do Oriente Médio
quando foi tragado para uma guerra civil em março de 2015. O mundo não quer ver
o que acontece no Iêmen porque é parcialmente responsável pelo que acontece
lá (principalmente aquela parte do mundo que se convencionou chamar
de “potências ocidentais”).
Mas,
antes de buscar a razão para essa omissão, vamos esmiuçar a tragédia. Como
explica o vídeo da BBC, postado na página de Facebook da rede britânica no
dia 21 de setembro, há 1,5 milhão de crianças subnutridas no Iêmen. As cenas de
meninos, meninas e bebês esqueléticos lembram as clássicas fotografias da fome
crônica em países como Somália e Biafra no século passado. (Para saber mais
sobre isso, veja o documentário
sobre o fotógrafo Don McCullin no Netlix.)
Menino subnutrido em Biafra, em 1969, em foto clássica do fotógrafo de guerra britânico Don McCullin
Uma das vítimas da
subnutrição mostradas na reportagem da BBC é o menino Celine, de 8 anos.
Como na criança retratada na foto acima, de McCullin, a cabeça, os olhos e os
lábios desproporcionalmente grandes em relação ao resto do corpo são a
expressão pura e aterradora da Fome — assim mesmo, com F maiúsculo. No Iêmen,
nada menos que 370.000 crianças sofrem de subnutrição com o mesmo grau de
gravidade que Celine. A reportagem mostra também um menino de 18 meses que,
devido ao desenvolvimento motor prejudicado pela falta de comida, ainda não
consegue andar.
Essa
tragédia humanitária não é resultado apenas da pobreza longeva no país.
Trata-se de uma das consequências da guerra iniciada em 2015, quando rebeldes
huti botaram o presidente para correr. Rebeliões, insurgências e conflitos
internos são recorrentes na história do país, mas esta é diferente. O Iêmen
está sendo bombardeado por um coalizão de países árabes de maioria sunita,
liderados pela Arábia Saudita, para evitar que as milícias huti, que são xiitas
e apoiadas pelo Irã, dominem o país. O Iêmen é um microcosmo das duas maiores
fontes de instabilidade global da atualidade: a rixa entre muçulmanos
sunitas e xiitas e a luta contra o terrorismo. O bloqueio econômico imposto
pela Arábia Saudita ao país e os bombardeios, que obrigaram 600 hospitais a
fechar suas portas, afetam tanto a disponibilidade de alimentos quanto a
possibilidade de a população conseguir assistência de saúde e humanitária.
As
potências ocidentais não estão envolvidas diretamente neste conflito, mas dão
apoio técnico e bélico à coalizão que realiza os bombardeios, que no período de
um ano foram responsáveis por metade das mortes de civis. Nem a Rússia, que é
frequentemente acusada de não ligar para as mortes colaterais em seus
bombardeios na Síria, provoca tanta destruição e morte. Estados Unidos, França
e Inglaterra permitem que empresas de seus países vendam armas para a Arábia
Saudita usar em sua campanha no Iêmen. Armas que são usadas para destruir
mercados, hospitais e mesquitas. Para não deixar a informação tão impessoal:
Barack Obama, François Hollande e David Cameron (recentemente substituído
por Theresa May) autorizam ou autorizaram a venda das armas que estão agravando
a catástrofe humanitária no Iêmen.
Um
quarto da população está à beira da inanição. Como esses líderes do mundo
livre conseguem pousar a cabeça no travesseiro com a consciência limpa, no
fim do dia?
ASSISTA O VÍDEO
https://www.facebook.com/bbcnews/videos/10153938166472217/
Postar um comentário
Blog do Paixão